Por Moisés Sbardelotto
Grande amigo e profundo admirador de Dom Helder, o arcebispo emérito da Paraíba Dom Marcelo Pinto Carvalheira foi ordenado bispo pelas mãos do próprio Dom Helder. Recebendo dele, além da sucessão apostólica, um legado de comprometimento com os direitos humanos e a cidadania, Dom Marcelo relata, em entrevista por telefone à IHU On-Line, um pouco da sua grande convivência e confiança com o seu amigo e colega bispo. Dom Marcelo, que atualmente reside no Mosteiro de São Bento, em Olinda (PE). Natural do Recife, Dom Marcelo Pinto Carvalheira, hoje com 81 anos, foi ordenado bispo por Dom Helder Câmara em 1975. Em sua celebração de ordenação episcopal, também estavam presentes Dom Aloísio Lorscheider e Dom José Maria Pires.
IHU On-Line – Como Dom Hélder Câmara, um bispo católico nascido no interior do Nordeste, chegou a ser reconhecido internacional, tendo recebido dezenas de prêmios internacionais e quatro indicações ao prêmio Nobel da Paz?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Quando Dom Helder chegou ao Recife, ele recebeu uma missão importante e coordenando vários grupos dentro da diocese. Como ele tinha muito valor pessoal e uma grande facilidade para se comunicar, ideias muito claras, mas ao mesmo tempo revolucionário, de querer reformas firmes, então ele se firmou demais. Eu também, por exemplo, me liguei muito a ele, como amigo. Era muito procurado por ele, conversávamos muito. Era uma figura de muito valor pessoal, de muita convicção, certo do que ele queria. Então, foi tomando, cada vez mais, posição dentro do Nordeste do Brasil. Eu era, naquele tempo, arcebispo emérito da Paraíba, mas morando na capital, em João Pessoa, com várias tarefas e muitos encontros com ele. É claro que eu dava um apoio muito grande, mas nem todos apreciavam a posição dele. Então, a coisa ficou complicada, difícil. Quiseram fazer queixas a Roma contra ele.
IHU On-Line – Como Dom Hélder posicionou-se frente a ditadura militar, visto que seu bispado em Olinda ocorreu justamente desde 1964 até 1985, e como suas ações eram encaradas pelos militares?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – O mais difícil possível. Respeitavam-no devido à autoridade moral que ele tinha e à sua influência diante e junto ao povo. Era impressionante. Ele era uma pessoa, de certo modo, que suscitava um certo temor. Ninguém queria opor-se a ele tão fortemente. Mas aconteceu que ele ficou numa linha muito clara. Fizeram de tudo, então, para conseguir neutralizá-lo, o que não foi possível.
IHU On-Line – Qual a atitude do Vaticano com relação à atuação de Dom Hélder? Como Paulo VI e João Paulo II, que acompanharam a sua visibilidade internacional, reagiram frente ao trabalho do bispo brasileiro?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – No começo, com relação à influência de Dom Helder, alguns ficaram assustados em Roma. Receio, essa coisa toda... Mas Dom Helder tinha um espírito muito bom. Ele queria o bem da Igreja, queria descobrir por onde é que ela devia ir, porque não podia ficar nessa situação ambígua. Essa foi a posição dele. Daí, então, a resistência grande dos opositores dele, que o atacavam, por exemplo, como não merecendo a confiança do Papa. Muito difícil. Eu fiquei no meio do fogo da discussão, porque eu já tinha uma posição de muita influência como vigário episcopal, na região do Nordeste todo. Foi muito doloroso.
IHU On-Line – Quem foi o pastor Dom Helder, bispo e arcebispo de Olinda?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Na época, atacavam-no muito como sendo de uma linha mais da revolução civil. E Dom Helder sempre dizia: “Nada disso. Eu quero é a revolução que foi suscitada pelo Concílio Vaticano II”. Essa posição lhe deu muita força. Muitos bispos o apoiaram, naturalmente eu também, que estava, naquela época, como presidente do episcopado do Nordeste. Então, ficamos muito unidos. E eu via a convicção de Dom Helder. Não tinha nada que fosse heterodoxo, contra a fé, nada disso. Havia muita confusão quanto a isso: que ele falhava contra a fé, essa coisa toda. Mas nada disso se sustentava. Aí ele foi crescendo muito mais. O Santo Padre começou a reconhecer também, embora não houvesse nenhuma posição jurídica do Papa para dar força a ele. Roma foi muito prudente. E deixou-o assim também muito livre.
IHU On-Line – Dom Hélder foi o único brasileiro a ser indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel da Paz, mesmo nunca o tendo conquistado. Qual o significado desse reconhecimento, dentro da perspectiva da luta pelos direitos humanos e da cidadania?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Ele era a palavra mais clara e mais firme sobre esses assuntos. Ele sabia muito bem que, nesse sentido, Roma o apoiava. Então, ele teve muita força. Eu dava assessoria muito grande a Dom Helder. Era impressionante o apoio que ele sentia, inclusive do episcopado, com raras exceções. E como ele era um homem de fé, um homem de oração, essa postura piedosa, profundamente evangélica, tinha uma força interessantíssima, incrível. Daí também a irritação daqueles que não concordavam com ele. Sobretudo por parte da sociedade, que achava que ele era exagerado, que ele dava muita força ao comunismo, quando não era nada disso. Não foi nada fácil para ele.
IHU On-Line – Como o senhor se sente tendo recebido a sucessão apostólica pelas mãos de Dom Helder? Como isso influenciou o seu bispado?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Eu fiquei cada vez mais ligado a Dom Helder. Ele confiava muito em mim, tínhamos muita amizade, fazíamos orações em comum, eu com ele, ele comigo. Havia uma ligação pessoal muito grande. E o prestígio dele, sobretudo pela autoridade moral, pelas convicções, ao mesmo tempo como um arcebispo aberto, era enorme. E, ao lado disso, o combate a ele por parte daqueles – como falamos numa linguagem mais direta – reacionários, que o combatiam muito, dizendo que ele era exagerado, que ele iria atrapalhar tudo. Mas a força dele era maior. Inclusive junto a Roma, começaram a reconhecer o valor de Dom Helder. Eu o acompanhei algumas vezes em Roma e via como era.
IHU On-Line – Quais são os frutos mais sensíveis na Igreja do Brasil hoje, que cresceram graças à atuação desse grande bispo?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Antes de tudo, uma igreja que se torna solidária com o povo, com as grandes causas do povo, e não uma igreja que fique distante, querendo impor pequenas normas. Ele queria mesmo uma posição eclesial, e não eclesiástica, no mau sentido. Isso foi muito forte. Então, muitos se uniram a ele no episcopado. Outros tinham uma desconfiança muito grande. Houve, assim, uma divisão. Claro que eu fiquei cada vez mais unido a Dom Helder. Ele confiava tudo, absolutamente tudo comigo. Às vezes ele fazia até meditação comigo. Depois, Dom Helder teve que se afastar. Mas ele permaneceu muito ligado àquelas lutas que tinham o seu centro no Recife. Eu sou recifense, sou da diocese do Recife e lhe dei muita força também. Eu era vice-presidente da Conferência do Nordeste. As circunstâncias foram muito favoráveis. Ao mesmo tempo, Dom Helder ficou mais ainda combatido por aquele grupo mais ligado às direitas. Mas não se dava crédito a esse grupo, embora fosse mais forte.
Fonte: UNISINOS
IHU On-Line – Como Dom Hélder Câmara, um bispo católico nascido no interior do Nordeste, chegou a ser reconhecido internacional, tendo recebido dezenas de prêmios internacionais e quatro indicações ao prêmio Nobel da Paz?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Quando Dom Helder chegou ao Recife, ele recebeu uma missão importante e coordenando vários grupos dentro da diocese. Como ele tinha muito valor pessoal e uma grande facilidade para se comunicar, ideias muito claras, mas ao mesmo tempo revolucionário, de querer reformas firmes, então ele se firmou demais. Eu também, por exemplo, me liguei muito a ele, como amigo. Era muito procurado por ele, conversávamos muito. Era uma figura de muito valor pessoal, de muita convicção, certo do que ele queria. Então, foi tomando, cada vez mais, posição dentro do Nordeste do Brasil. Eu era, naquele tempo, arcebispo emérito da Paraíba, mas morando na capital, em João Pessoa, com várias tarefas e muitos encontros com ele. É claro que eu dava um apoio muito grande, mas nem todos apreciavam a posição dele. Então, a coisa ficou complicada, difícil. Quiseram fazer queixas a Roma contra ele.
IHU On-Line – Como Dom Hélder posicionou-se frente a ditadura militar, visto que seu bispado em Olinda ocorreu justamente desde 1964 até 1985, e como suas ações eram encaradas pelos militares?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – O mais difícil possível. Respeitavam-no devido à autoridade moral que ele tinha e à sua influência diante e junto ao povo. Era impressionante. Ele era uma pessoa, de certo modo, que suscitava um certo temor. Ninguém queria opor-se a ele tão fortemente. Mas aconteceu que ele ficou numa linha muito clara. Fizeram de tudo, então, para conseguir neutralizá-lo, o que não foi possível.
IHU On-Line – Qual a atitude do Vaticano com relação à atuação de Dom Hélder? Como Paulo VI e João Paulo II, que acompanharam a sua visibilidade internacional, reagiram frente ao trabalho do bispo brasileiro?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – No começo, com relação à influência de Dom Helder, alguns ficaram assustados em Roma. Receio, essa coisa toda... Mas Dom Helder tinha um espírito muito bom. Ele queria o bem da Igreja, queria descobrir por onde é que ela devia ir, porque não podia ficar nessa situação ambígua. Essa foi a posição dele. Daí, então, a resistência grande dos opositores dele, que o atacavam, por exemplo, como não merecendo a confiança do Papa. Muito difícil. Eu fiquei no meio do fogo da discussão, porque eu já tinha uma posição de muita influência como vigário episcopal, na região do Nordeste todo. Foi muito doloroso.
IHU On-Line – Quem foi o pastor Dom Helder, bispo e arcebispo de Olinda?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Na época, atacavam-no muito como sendo de uma linha mais da revolução civil. E Dom Helder sempre dizia: “Nada disso. Eu quero é a revolução que foi suscitada pelo Concílio Vaticano II”. Essa posição lhe deu muita força. Muitos bispos o apoiaram, naturalmente eu também, que estava, naquela época, como presidente do episcopado do Nordeste. Então, ficamos muito unidos. E eu via a convicção de Dom Helder. Não tinha nada que fosse heterodoxo, contra a fé, nada disso. Havia muita confusão quanto a isso: que ele falhava contra a fé, essa coisa toda. Mas nada disso se sustentava. Aí ele foi crescendo muito mais. O Santo Padre começou a reconhecer também, embora não houvesse nenhuma posição jurídica do Papa para dar força a ele. Roma foi muito prudente. E deixou-o assim também muito livre.
IHU On-Line – Dom Hélder foi o único brasileiro a ser indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel da Paz, mesmo nunca o tendo conquistado. Qual o significado desse reconhecimento, dentro da perspectiva da luta pelos direitos humanos e da cidadania?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Ele era a palavra mais clara e mais firme sobre esses assuntos. Ele sabia muito bem que, nesse sentido, Roma o apoiava. Então, ele teve muita força. Eu dava assessoria muito grande a Dom Helder. Era impressionante o apoio que ele sentia, inclusive do episcopado, com raras exceções. E como ele era um homem de fé, um homem de oração, essa postura piedosa, profundamente evangélica, tinha uma força interessantíssima, incrível. Daí também a irritação daqueles que não concordavam com ele. Sobretudo por parte da sociedade, que achava que ele era exagerado, que ele dava muita força ao comunismo, quando não era nada disso. Não foi nada fácil para ele.
IHU On-Line – Como o senhor se sente tendo recebido a sucessão apostólica pelas mãos de Dom Helder? Como isso influenciou o seu bispado?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Eu fiquei cada vez mais ligado a Dom Helder. Ele confiava muito em mim, tínhamos muita amizade, fazíamos orações em comum, eu com ele, ele comigo. Havia uma ligação pessoal muito grande. E o prestígio dele, sobretudo pela autoridade moral, pelas convicções, ao mesmo tempo como um arcebispo aberto, era enorme. E, ao lado disso, o combate a ele por parte daqueles – como falamos numa linguagem mais direta – reacionários, que o combatiam muito, dizendo que ele era exagerado, que ele iria atrapalhar tudo. Mas a força dele era maior. Inclusive junto a Roma, começaram a reconhecer o valor de Dom Helder. Eu o acompanhei algumas vezes em Roma e via como era.
IHU On-Line – Quais são os frutos mais sensíveis na Igreja do Brasil hoje, que cresceram graças à atuação desse grande bispo?
Dom Marcelo Pinto Carvalheira – Antes de tudo, uma igreja que se torna solidária com o povo, com as grandes causas do povo, e não uma igreja que fique distante, querendo impor pequenas normas. Ele queria mesmo uma posição eclesial, e não eclesiástica, no mau sentido. Isso foi muito forte. Então, muitos se uniram a ele no episcopado. Outros tinham uma desconfiança muito grande. Houve, assim, uma divisão. Claro que eu fiquei cada vez mais unido a Dom Helder. Ele confiava tudo, absolutamente tudo comigo. Às vezes ele fazia até meditação comigo. Depois, Dom Helder teve que se afastar. Mas ele permaneceu muito ligado àquelas lutas que tinham o seu centro no Recife. Eu sou recifense, sou da diocese do Recife e lhe dei muita força também. Eu era vice-presidente da Conferência do Nordeste. As circunstâncias foram muito favoráveis. Ao mesmo tempo, Dom Helder ficou mais ainda combatido por aquele grupo mais ligado às direitas. Mas não se dava crédito a esse grupo, embora fosse mais forte.
Fonte: UNISINOS