12 de set. de 2009

Carlo Tursi

Dom Helder Camara e a espiritualidade do conflito


Carlo Tursi é teólogo católico e membro da recém-eleita coordenação arquidiocesana de CEBs, em Fortaleza, Ceará
Fonte: Adital




"Não pensem que eu vim trazer paz à terra...!" (Mt 10,34)

Hoje, somos todos reféns daquilo que agrada às multidões. E nada agrada-lhes mais do que o discurso da "paz". Parece que, depois de três décadas de lutas, manifestações, punhos erguidos, discursos inflamados e palavras de ordem gritadas, a "turma" se cansou e procura agora profetas e sacerdotes(-cantores?) de "fala mansa" que prometem bonança e serenidade, de preferência sem ninguém ter que suar a camisa. "Felizes os mansos" (Mt 5,5) e - sobretudo - os sorridentes, pois o grande público irá escutá-los. Toda palavra mais grossa, discussão mais acalorada, qualquer dissenso ou polêmica são ojerizados; preza-se viver em um ambiente harmônico, tranquilo e isento de perturbações. Se existem conflitos - e não há como negar sua existência, nem na sociedade, nem na Igreja - , há de se silenciar acerca deles, pois viver um conflito, ainda mais às vistas do público, seria hoje desastroso para a imagem de qualquer instituição ou comunidade. E é assim que mantemos - nos lares, nas igrejas, nas repartições - a fachada da unidade-unanimidade e da paz, varrendo os grandes problemas e conflitos debaixo do famigerado "tapete".

A uma espiritualidade cristã autêntica, porém, esta ânsia por "paz a qualquer preço" sempre pareceu hipócrita. Já a denunciava o profeta bíblico: "Do menor ao maior, são todos aproveitadores, do profeta ao sacerdote, todos enganadores. Sem responsabilidade querem curar a ferida do meu povo, dizendo apenas "Shalom! Shalom!", quando paz não existe!" (Jr 6,13-14). E o próprio Cristo, anunciado como "manso e humilde de coração" na nossa atual mentalidade eclesial, foi, na realidade, um grande polemizador das causas justas, que discutiu com juristas canônicos e sacerdotes, chamando-os de hipócritas, guias cegos e sepulcros caiados (Mt 23). Jesus pegou pesado com ricos ("Ai de vós!") e políticos ("Raposa"), mas também não costumava bajular as multidões que o escutavam ("geração má e adúltera!"). "Não vim trazer a paz, mas a espada", disse ele certa vez. Ou seja, veio para nos forçar a uma tomada de posição: ou a favor ou contra as prioridades do Reinado de Deus - e os seus preferidos.

Esta espiritualidade bíblico-evangélica só pode chocar a mentalidade cristã vigente. Repete-se, em todas as paróquias, o lema da Campanha da Fraternidade ad nauseam ("A paz é fruto da justiça"), mas não se encontra quem queira denunciar as tremendas injustiças e desigualdades que permeiam nosso convívio social brasileiro. Tomar partido? É complicado...! Ninguém quer "pegar (no) pesado", tudo deve ser "light" e facilmente digerível, senão os "fiéis" vão embora...

Dom Helder Camara, cujo centenário de nascimento (1909) comemoramos este ano, exercia-se na espiritualidade cristã autêntica e não fazia concessões ao "gosto" das multidões. No seu já célebre livro "Revolução dentro da Paz" (RJ 1968), o pastor-profeta dizia: "Trata-se de convencer os senhores de hoje a completar a abolição da escravatura, contribuindo, de modo decisivo, não para um amplo movimento filantrópico e assistencialista, mas para um autêntico movimento de promoção humana" (p.79). Sabia da inocuidade de certos discursos eclesiásticos em favor da paz e da justiça, quando desacompanhados de ações concretas no terreno sócio-político: "Se não creio na violência armada, também não chego à ingenuidade de pensar que bastam conselhos fraternos, apelos líricos, para que tombem estruturas sócio-econômicas, como ruíram os muros de Jericó" (p.37).

É esta espiritualidade mais profunda de Dom Helder que não só sabe dar pão aos pobres, mas que pergunta pelas causas da pobreza e que, por consequência, aceita ser "perseguida por causa da justiça" (Mt 5,10) que "O GRUPO", aqui em Fortaleza, está querendo relançar ao povo cristão, durante noite de conferência no Colégio Santo Tomás de Aquino, no decurso da SEMANA DOM HELDER CAMARA. A conferência, intitulada "Dom Helder e a espiritualidade do conflito", será proferida por um padre e velho amigo do falecido Dom, João Pubben, no dia 29 de setembro, às 19:00 h, no auditório daquela instituição de ensino. Vamos conferir. Está na hora de avançar para águas mais profundas...

Ano Dom Helder Camara - PUC/Rio

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100 anos de Dom Helder Câmara - O guerreiro da Paz

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Dom Hélder - 100 anos

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Livro

Livro
Titulo: O Peregrino da Paz - Dom Helder Autor: Pe Geovane Saraiva e Prof. Cajuaz Filho Editora: Celigráfica Essa obra reúne em 130 páginas um resumo de Dom Helder Câmara como menino, padre e bispo, suas mensagens e pensamentos, além de fotos, artigos e depoimentos de pessoas que o admiram. A idéia é mostrar a importância que o arcebispo teve para o mundo, como “Peregrino da Paz”, e como figura fundamental na luta pelas grandes causas humanas. Essa publicação ocorre num momento solene em que todo o mundo, ainda, festeja o sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, direitos que, tão intrépida e corajosamente, Dom Helder defendeu. Não é mais um livro sobre Dom Helder. É o livro comemorativo de seu primeiro centenário. Eis a diferença. Dom Helder jamais se intimidou com ameaças, partissem de onde partissem, pois sua força vinha daquele em que sempre acreditou - Jesus Cristo - razão de sua vida sacerdotal e de sua missão que sempre foi anunciar o Evangelho, pregar a paz e lutar contra a miséria.

Dom Helder Camara - O Santo Rebelde

Dom Helder Camara - O Santo Rebelde
Documentário de Erika Bauer sobre Dom Hélder Câmara, arcebispo emérito de Olinda e Recife, morto em 1999. O filme enfoca desde sua participação como figura central da ala progressista da Igreja Católica, na década de 1950, criando a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), até suas ações durante a ditadura militar.